Monday, December 11, 2006


Os dentes de potranca rasgavam a gengiva estropiada pela idade, pelo cigarro e pelas palavras de desprezo.
Somavam na boca fétida não mais do que a metade. O resto caiu, ela dizia: ‘’Por aí, eu nem sei, filha.’’
E lá vinha a boca fétida a me beijar nas bochechas e a sugar qualquer energia que eu, por ventura, ainda tinha.
As unhas quebradas e mal pintadas, cortadas em recortes assimétricos, acumulavam-se sobre a pele dos dedos e nem a cutícula crescia mais. É que nada nela tinha vida, mas ela insistia.
Acendia um cigarro de manhã e acordava. Dormia fumando outro e persistia a cada página desgraçada do seu romance barato de banca de jornal.
Os seus amplexos demorados sufocavam meus anseios no cheiro de tabaco e de vida mal-tragada, mas eu ainda a amava.
A cada ruga rabiscada no seu rosto enjoativo de tantas horas, eu conheci a apatia.
Pela vida, pela família, a auto-apatia das mamães por elas mesmas.
Quando ficávamos a sós, o ar empobrecia de falta de graça.
Os diálogos onomatopéicos e o desfecho das nossas vidas estampados na face apática que lambia outro cigarro.
Mamãe não sentia mais dor, nem desespero. Assistia um filme, fumava um cigarro, engolia um chocolate e ia ao bingo.
Os olhos verdes elegantes e o cabelo preto a escorrer na pele alva estavam, agora, todos opacos.
Os olhos fatigados, nem se notava mais que eram verdes e o cabelo preto, ficou branco, depois, metade amarelo e atualmente, a raiz não quer mais saber de ser bonita e o cabelo fica como pode. Preso na cabeça e só.
As roupas emprestadas das filhas são desajustadas e nem se nota mais a cintura de moça e as pernas das mini-saias,veste sempre a mesma blusa esburacada,mas só para não ficar nua com a sua alma crua.
E continua vivendo, teimando naquela mania boba da classe média de acreditar que suicídio é pecado.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

nossa, amei isso!

11:30 AM  

Post a Comment

<< Home