Saturday, December 18, 2010


UTI


Todos que estavam lá eram corpos fechados. Carregavam em si uma unidade mais firme do que as pessoas costumam carregar por ai - nossos corpos são mais abertos, se comunicam, se expressam, gritam, se desconformam. Os deles não. Todos eram unidades rigidas, fechadas, acopladas dentro do lençol grampeado na beirada da cama e conformados nos limites do perímetro do leito.

Não se expressavam com os olhares e não desejavam falar com as palavras.

Era intenso pelo avesso. Nós é que nos intensificavamos e nos impressionavamos com a morte tão tranquila, enquanto eram eles que morriam sem nenhuma intensidade. Nós é que ficavamos boquiabertos e gritavamos com a angústia de ver ali,logo em frente, a morte tão opaca e sem gosto consumindo um corpo humano.

Já os corpos ficavam lá jogados e ressacados (e vivos), como se nunca tivessem sido pessoas ansiosas por qualquer coisa.

A morte dos outros é incômoda. A gente engole seco, sem saber o que dizer e diz o "sinto muito" padrão. É um "sinto muito" bege que cai bem em qualquer ambiente.
É o mesmo "sinto muito" que a gente sente quando o namorado da amiga da gente não liga no dia seguinte ou quando não tem trocado no farol depois do espetáculo das garrafas. É o mesmo "sinto muito" que a gente diz que sente sempre.
A verdade é que não sentimos muito. Sentimos um desconforto,um incômodo,mas nada disso é muito. Quando sentimos muito,muito,muito algo, ele vem na goela e fica entalado na garganta de uma forma tão bruta que o ar não entra e nem sai - sentimos uma falta de ar absoluta e só então, estamos sentindo muito.E neste exato momento, nós não conseguimos pronunciar que estamos sentindo algo - a nossa boca abre desesperada por ar e encontra o vácuo e o som da nossa voz por mais que queira ser expelido e gritado não consegue se propagar.

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