Tuesday, February 06, 2007

E a gente que nascia lá,já tava toda fadada. De fardelagem levavam sem peso algum na alma tão pesada: 45 kilos de vida sobrevivida,uns olhos pra ver o futuro blindado, uma boca de poucas palavras e muitos sons para gritar em caso de fome ou desespero e duas mãos para balançar no ar, se o caminho fosse muito longo e a vontade de percorre-lo, desmotivada.
As almas secas andavam todas juntas,como se num coletivo fossem uma vida uníssona – sozinhas,nem entravam em porcentagem alguma,eram no máximo, a perspectiva, do 0,01%, daqueles que morrem de fome ou de frio por aí em algum dia tal.
Aqueles corpos amontoados- e eles respiram,eu vi – estendiam-se nas margens de qualquer calçada, com os olhos bem fechados e as bocas arregaladas.
Como o dia nasce para todos, a luz ilumina,também,por descaso ou fatalidade, os seus rostos imundos e os olhos fedidos e amarelados - são os olhos embriagados e intragáveis, das cervejas quentes e de vida mal tragada.
Arregaçam, sem vergonha nenhuma – e que vergonha de mim!- as mãos em frente ao carro.
É que a gente não sabe,mas a fome é extrovertida – grita,comunica-se,sem pudor de ser ouvida. Os olhos estáticos e fundos da alma estreita pedem alimento – para quê sustentar a desgraça?
Os vidros fechados calam-se na sua perspectiva translúcida do cenário urbano e se abrimos um feixe e respiramos o ar do morimbundo indigente é para dizer que somos também humanos com toda nossa compaixão.
Dei esmola por compaixão,dizemos,nunca por constrangimento de ver ali,logo ali, a vida morrendo como uma rosa não regada e estropiada que de tão seca decide-se jogar o vaso fora a desperdiçar a água. Os olhos ressecados vivem a vida na ressaca - a ressaca da fome,do descaso,do frio, é sempre um dia para superar o outro que acaba sendo gasto no alivio imediato do dia anterior ou em hipóteses piores,é um dia para prolongar a angústia afim de dissolvê-la nas horas sucessivas e torná-la infíma como estancar um corte e enquanto sangra,distrair-se - frise-se que o sangue dessa gente não coagula nunca e sim,jorra histérico pelos dias afora.

O problema é genético,é pessoal,é indiscutível,é problema da vida - nunca uma questão sócio-econômica descabida.